Andando pelo Rio de Janeiro é possível perceber que em algumas
praças contenham diversos equipamentos de cores vibrantes, feitos de tubo
de metal. O que são eles ? São as chamadas Academias da Terceira Idade.
Essas academias são um projeto da Prefeitura, que com a
função de garantir a saúde e o bem estar, resolveu criar lugares para os idosos
se exercitarem, sem qualquer onerosidade, tendo em vista o alto custo cobrado
pelas academias em geral. Além disso, a ideia de criação destas academias tem
como finalidade o fato de que a longo prazo elas gerariam um benefício tanto
para os idosos, quanto para a Prefeitura: ao se exercitarem, a terceira idade
precisaria menos de atendimentos médicos, o que reduziria o gasto da Prefeitura
na área de saúde.
A idéia tem origem na China, mais especificamente em Pequim,
que foi a precursora das academias ao ar livre. Assim, empresas brasileiras
adotaram a idéia e resolveram financiar os equipamentos para as Prefeituras,
recebendo em troca uma pequena publicidade, já que os equipamentos contém o
nome do fabricante.
A princípio, tais academias foram recebidas com animação,
tendo a Prefeitura recebido diversos elogios pela iniciativa. A primeira delas
foi estabelecida em Copacabana, tendo agora a cidade do Rio de Janeiro a
presença de mais de 60 ATI’s.
Entretanto, apesar da primeira impressão ser excelente,
cabe-nos ressaltar os problemas existentes.
O primeiro deles diz
respeito ao fato de que tais academias contariam com a presença de
profissionais adequados, da área de educação física e de saúde. Ora, basta uma
simples volta em qualquer bairro que contenha as academias da terceira idade
para perceber que não há qualquer profissional qualificado por perto.
Este primeiro problema, acaba por gerar um segundo, ainda
mais grave. Pela falta de supervisionamento, idosos e até mesmo crianças se
exercitam sem ao menos saber qual parte do corpo está sendo trabalhada, e, pior
ainda, se está sendo trabalhadas da maneira correta.
Desta forma, a ideia inicial de diminuição dos gastos de
Prefeitura com a saúde a longo prazo poderá destruída.
Aliado à falta de profissionais e às possíveis lesões que
podem ser provocadas, temos um terceiro problema, também alarmante: a fabricação
dos aparelhos.
A resposta é encontrada em uma reportagem da Revista Época,
feita por Francine Lima, que aborda o mesmo tema:
“No último sábado, abordei adultos e
adolescentes que usavam os aparelhos de metal no Parque do Ibirapuera, em São
Paulo. Perguntei a eles para que serviam os equipamentos que estavam usando.
Deram-me respostas diferentes. Um dizia que o “Simulador de caminhada” servia
para alongar as pernas, mas outro fazia a tal caminhada simulada tão
rapidamente que supus que ele pretendia fazer ali um trabalho cardiovascular. A
placa de identificação do aparelho não dava instruções. Só marcava numa
ilustração quais eram as partes do corpo supostamente trabalhadas. Fiquei com a
impressão de que os usuários não estavam bem informados.
Ontem, conversei com Heraldo Guiaro,
da administração do Parque do Ibirapuera. Ele me contou que os 52 aparelhos
instalados no parque foram doados por uma empresa chamada Physicus, de
Auriflama, no interior de São Paulo. Doados. Antes de aceitar a doação, porém,
a administração do parque teria se reunido com gente da Secretaria Municipal de
Esportes para avaliar a qualidade dos equipamentos.
Roberto Rivelino, profissional de
educação física da secretaria de esportes, confirmou a história por telefone.
“Nós vimos as fotos do catálogo da Physicus e a descrição de como funcionavam”,
me disse Rivelino. As fotos. Então ninguém viu os aparelhos pessoalmente antes
de aceitar a doação? Ninguém verificou o design das peças, a mecânica dos
movimentos? Ninguém pediu referências da empresa? Não compararam os produtos
com equivalentes de outras marcas? Não fizeram perguntas para o responsável
técnico da Physicus? Não. Rivelino me disse que não fizeram nada disso. Quando
finalmente receberam o carregamento, tudo que verificaram foi o acabamento das
peças.
Bem, agora os aparelhos estão em
pleno funcionamento, e os usuários parecem estar gostando. Perguntei a Roberto
Rivelino sobre as funções de alguns aparelhos e as alterações benéficas que
eles promovem no corpo. Falamos especificamente de um que lembra um volante.
Rivelino disse que esse movimenta as articulações e a musculatura dos ombros, e
que é para ser um complemento de outras atividades físicas. Mas que tipo de
trabalho muscular se executa ali, e que tipo de qualidade física está sendo
melhorada? Seria a força? Não. O aumento da massa muscular? Não. A resistência
muscular? A capacidade cardiovascular? Rivelino fez silêncio.
Não estava fácil conseguir
respostas. Procurei então o responsável por outra academia ao ar livre na
cidade. O Hospital Samaritano, que patrocina a Praça Irmãos Karmann,
administrada pela Subprefeitura da Lapa, me informou investiu R$ 220 mil na
revitalização da praça e apenas R$ 10 mil na compra e instalação da academia ao
ar livre, em outubro do ano passado. (É muito barato. Numa academia
convencional, um único aparelho pode custar metade disso.) Embora o Hospital
Samaritano tenha bancado tudo, “quem desenvolveu o projeto e deu as diretrizes
foi a Coordenadoria de Áreas Verdes da Secretaria de Subprefeituras”, disse a
assessoria de imprensa do hospital.
Continuei procurando um especialista
que me falasse dos critérios técnicos para aprovar a compra dos equipamentos
pela prefeitura. Afinal, era um projeto municipal para melhorar a saúde da
população, e imaginei que houvesse um especialista em envolvido. Não achei.
Resolvi ir direto às origens: a
fabricante da academia. Ali certamente alguém saberia me dizer como os
equipamentos foram criados, que estudos de mecânica e fisiologia foram feitos,
que argumentos científicos foram usados para convencer tantas prefeituras a
apostar nesse tipo de exercício como solução para a qualidade de vida dos
idosos e da população em geral.
Com a dica do Samaritano, achei a
empresa Ziober, sediada em Maringá (PR). Quem me atendeu foi Aluizio Marques
Junior, diretor comercial da empresa. Ele me disse que a marca Ziober já está
em 1300 municípios brasileiros, em quase todos os estados, totalizando mais de
2000 academias ao ar livre. Disse também que cerca de 70% delas são projetos de
prefeituras, mas que também estão em condomínios, clubes e outros locais
privados. “Só em São Paulo já temos cem academias”, afirmou Junior, como
prefere ser chamado.
Junior começou a contar como esse
sucesso todo começou. Ele diz que, há cerca de cinco anos, quando ainda era
vendedor de livros, viu no Globo Repórter uma matéria sobre uma academia ao ar
livre na China. Achou que era uma ótima ideia e cutucou seu “amigo de boteco”
Paulo Ziober, que na época trabalhava como dobrador de tubos. Justamente os
tubos de aço-carbono de que são feitos hoje os aparelhos da Ziober. Resolveram
montar um negócio juntos, e deu muito certo.
E como um vendedor de livros e um
dobrador de tubos de repente viraram empresários bem-sucedidos do ramo de
fitness? Achei que Junior iria dizer que contrataram um designer ótimo,
especializado em aparelhos de ginástica, mas não foi nada disso. Junior diz que
foram eles dois mesmo que criaram os aparelhos, baseando-se no que conheciam
das academias convencionais. E que, só depois que estava tudo pronto, chamaram
um “professor de ergonomia” de uma universidade local e um conhecido professor
de judô da cidade para dar o aval.
O primeiro cliente da Ziober foi a
prefeitura de Maringá. Junior conta que o prefeito se empolgou com a ideia, até
porque não precisou tirar um tostão do bolso. A Unimed patrocinaria a primeira
(que custou menos de R$ 20 mil) e várias outras das 42 academias ao ar livre da
cidade. O projeto foi batizado de Academia da Terceira Idade (ATI), e ganhou um
slogan poderoso: “Quem vai para a ATI não vai para a UTI”. Logo, logo, as ATIs
viraram um ótimo negócio não só para a Ziober, mas também para as empresas de
saúde e as prefeituras, que passaram a aparecer na mídia como criadoras de
programas públicos de qualidade de vida.
E para a população, foi um bom
negócio? Voltei às perguntas sobre as funções dos aparelhos e os benefícios dos
exercícios para a saúde. “Não lembro direito as funções dos aparelhos”,
confessa Junior, o criador dos mesmos. “Mas procuramos fazer de um jeito que
fosse seguro para a terceira idade. Para os jovens não dá muito resultado de
ficar musculoso, porque são aparelhos sem peso. Não há relatos de alguém que
tenha se machucado.”
Ainda assim, Junior acredita que a
academia seria mais benéfica se as prefeituras assumissem a responsabilidade de
orientar os usuários. Segundo ele, dificilmente elas mantêm um profissional
instruindo as pessoas sobre como se exercitar ali. Sem isso, como saberão se
estão mexendo os músculos e gastando energia na melhor medida possível?”
Desta forma,
percebemos que as academias para terceira idade foram criadas por pessoas sem
conhecimento de Biomecânica, explorando um nicho de mercado que é a
auto-promoção de Prefeituras e prefeitos.
Não há como avaliar se tais academias são boas ou más sem que
haja uma estatística de lesões associadas a elas. Elas podem até mesmo ser
excelentes mas existe um risco por que foram concebidas por pessoas sem
conhecimentos sobre a fabricação dos aparelhos. E como os usuários fazem o
exercício de qualquer jeito, sem orientação alguma, o risco de lesões aumenta
ainda mais !
A pergunta que fica é: será mesmo tais academias tão
benéficas quanto a população tem acreditado?
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